No mês de agosto de 2020 escrevi um artigo para a Dolce Morumbi, na qual abordei a possibilidade da alteração das relações contratuais, por conta dos reflexos da pandemia do covid19. A situação financeira das empresas brasileiras, em razão da pandemia que estamos enfrentando, está sendo drasticamente afetada, tendo, como consequência, a redução da produção de bens, sua comercialização e o respectivo consumo. Isto infelizmente é público e notório. Nesse momento, ainda não é possível definir o tamanho do impacto na economia brasileira e mundial. Entretanto, é possível afirmar que as relações contratuais serão inevitavelmente atingidas, o que já começa a ocorrer. Há inúmeros contratos e/ou acordos que foram celebrados em determinada realidade econômica e, que estão sendo produzindo efeitos num cenário totalmente diferente.
É verdade que o contrato ou qualquer acordo obriga as partes, porém, essa regra não pode ser vista de forma absoluta, pois o panorama contratual atual é absolutamente diverso daquele, no qual a negociação fora firmada. No artigo publicado em agosto de 2020, citei que: “Recentemente, movemos uma ação anulatória de acordo judicial, que recebeu o nº 1034365-62.2020.8.26.0002, na qual estamos questionando basicamente a multa moratória de 50% (cinquenta por cento) que foi imposta pelo credor, para o caso de inadimplemento de qualquer parcela do acordo. No acordo judicial, estipulou-se o pagamento do débito em 8 (oito) parcelas mensais e consecutivas, e antes da suspensão das atividades comerciais, não essenciais, na cidade de São Paulo, o devedor já havia quitado 5 (cinco) prestações. Em resumo, o devedor deixou de pagar as parcelas vencidas em 10/04/2020, 10/05/2020 e 10/06/2020. É importante esclarecer que o devedor é um restaurante de comida árabe que suspendeu as atividades comerciais em 19 de março de 2020, e que até o momento continuam sobrestadas. É evidente que o devedor somente deixou de pagar as 3 (três) últimas parcelas, por conta da suspensão da sua atividade, ou seja, em decorrência de um fato posterior e totalmente imprevisível, e que deixou o mundo todo completamente perplexo. Infelizmente, apesar de toda argumentação, o credor não se sensibilizou com o atual cenário e exigiu o valor devido, com a inclusão da multa de 50% (cinquenta por cento). Isso obrigou o devedor a mover uma ação anulatória, visando alterar a cláusula que lhe impôs a obrigação de pagar a mencionada penalidade, e que se tornou extremamente excessiva. A juíza que conduz o caso deferiu uma medida liminar, excluindo a obrigação do devedor de pagar o débito com a inclusão da sanção, bem como reduziu dívida locatícia no percentual de 50% (cinquenta por cento)”.
Após o devido andamento processual da citada ação, a juíza, no mês de janeiro de 2021, proferiu sentença, na qual julgou parcialmente procedente o pedido, para obrigar os devedores a pagar o débito com a inclusão da multa moratória de 2% (dois por cento), e, ainda, reduziu o débito locatício em 50% (cinquenta por cento).
Essa decisão judicial, em linhas gerais, levou em consideração a existência de um fato imprevisível que assolou toda a sociedade, ou seja, a existência da pandemia do covid-19, e que acabou trazendo um desequilíbrio nas relações contratuais. A magistrada cita na sentença que: “Sobre a matéria, reza o art. 317 do Código Civil: Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação. As atividades do autor restaurante sofreram intensa redução em razão das medidas de distanciamento social impostas pelo poder público diante da pandemia da COVID-19, conforme a Lei Federal nº 13.979/2020 e o Decreto Estadual nº 64.881/2020. Não há dúvida sobre a imprevisibilidade do fato e das circunstâncias correlatas, tanto que o Congresso Nacional reconheceu o estado de calamidade pública (Decreto Legislativo nº 6/2020)”.
É importante citar que contra a mencionada sentença cabe recurso e o assunto poderá ser rediscutido no Tribunal de Justiça de São Paulo.